A interessante experiência de viajar de férias durante a pandemia

@aeroportobsb

Nos primeiros dias de outubro, comecei a organizar minha viagem de férias de Brasília para Morro de São Paulo, na Bahia, destino que, havia muito tempo, queria conhecer. Cheguei a perguntar a uma amiga se queria me acompanhar, mas ela apenas me deu dicas do que fazer por lá. Decidi não convidar mais ninguém. Senti-me constrangida pelo fato de estar viajando em plena pandemia. 

No dia 3 de setembro, pouco mais de cinco meses depois de ter sido publicado decreto municipal que fechava parcialmente o comércio e proibia transporte marítimo, renovação de hospedagem e novos check-ins de turistas no município de Cairu, do qual Morro de São Paulo faz parte, as atividades turísticas foram retomadas. 

Quando decidi fazer a viagem, o município de Cairu contabilizava 305 casos confirmados de Covid-19 e 5 óbitos, conforme dados de 5 de outubro de 2020, da Central Integrada de Comando e Controle da Saúde, da Secretaria de Saúde da Bahia. Resolvi arriscar. 

Fiz reserva em uma pousada mais cara do que as que eu habitualmente escolho, devido aos protocolos de segurança adotados.  A pousada possui, inclusive, o selo “Turismo Sustentável – Limpo e Seguro”, recentemente lançado pelo Ministério do Turismo, o qual certifica que a acomodação havia adotado medidas adicionais de saúde e higiene. 

Em 2 de novembro, peguei, pela primeira vez desde março, um Uber para o aeroporto. Havia álcool em gel no carro, e o motorista manteve as janelas abertas. 

Como já havia feito o check-in online, eu me dirigi a uma das máquinas da Latam para imprimir o cartão de embarque e a etiqueta de bagagem. O despacho  das malas se deu de forma automatizada, em uma máquina de self bag drop, sem contato com atendente. Havia uma pequena fila, mas as pessoas respeitaram o distanciamento. 

Já a fila para os portões de embarque estava longa. Nem todos respeitavam o distanciamento. Eu me irritei com um senhor  logo atrás de mim, mas consegui me controlar e dizer de forma firme: “Parece-me que o senhor está com pressa. Pode  passar adiante”. Ele passou, e consegui manter o distanciamento até a fila do raio-x, onde, por desorganização dos funcionários, é mais difícil se manter distante. Ah! Pude levar, sem problemas, na bagagem de mão dois frasquinhos de álcool em gel. Segundo a ANAC, o transporte desse material pelos passageiros é permitido, em voos domésticos, tanto em bagagem de mão quanto despachada, desde que não exceda o máximo de 500ml ou 500g por embalagem e de 2 litros ou 2 quilos no total, por pessoa, incluindo todos os demais itens pessoais que sejam classificados como artigo perigoso.

Aeroporto Internacional de Brasília

O aeroporto não estava muito cheio, apesar de ser feriado. Eu me dirigi ao portão de embarque. Preferi aguardar num portão próximo, mais vazio. Quando fomos convidados a embarcar, por mais que a companhia chamasse os passageiros por grupos, formou-se uma pequena aglomeração. Os funcionários da companhia, entretanto, insistiam por microfone que se mantivesse o distanciamento e só permitiam entrar os passageiros do grupo chamado. Em nenhum momento, foi feita medição de temperatura ou consulta sobre apresentação de sintomas de Covid-19. 

Dentro do avião, os comissários pediram agilidade dos passageiros para  acomodar as bagagens nos compartimentos superiores e se sentarem. O que me causou estranhamento  foi que todos os assentos estivessem ocupados. Pensei que pelo menos os do meio seriam interditados. Não foi servida comida ou bebida. 

A saída do avião foi bastante organizada, fileira por fileira. Se alguém se levantava antes, imediatamente um comissário relembrava, por microfone, da necessidade de esperar a fileira ser chamada. Bravo!

No aeroporto de Salvador peguei a mala com tranquilidade. Nem todas pessoas se mantiveram no local marcado no chão, mas, sim, respeitaram o distanciamento. 

Como eu ainda tinha que aguardar muito tempo para pegar o transfer que me levaria até Morro de São Paulo, fui fazer um lanche, no andar de desembarque mesmo, que estava mais vazio. Depois, optei por aguardar em um local isolado no aeroporto. 

Por causa do horário de chegada do meu voo, a agência onde contratei o traslado para Morro de São Paulo sugeriu que eu optasse pelo semi-terrestre e não pelo catamarã. Não gostei e não recomendo esse serviço por duas razões (a não ser que a pessoa sinta muito enjoo em viagens de barco): não há qualquer tipo de medida de segurança com relação ao coronavírus e, além disso, a viagem torna-se interminável. 

No serviço semi-terrestre, você sai do aeroporto de Salvador em uma van cheia. Nem todos respeitam a obrigatoriedade do uso da máscara. Ou a deixam pendurada na orelha ou no pescoço… O percurso dura, em média, 30 minutos. Você chega ao terminal marítimo, onde há aglomeração. Se der sorte, não precisa esperar muito tempo. No meu caso, perdemos o ferry-boat que saía às 15h  e pegamos o das 16h. Como o ferry-boat estava cheio, optei por ficar do lado de fora, com a mala, embora estivesse chuviscando, para me manter distante das outras pessoas. Daí você chega na Ilha de Itaparica, onde aguarda a chegada de um ônibus que o levará em 1h40  para Valença. No ônibus, tivemos condições de ficar distantes um dos outros. Entretanto, na lancha que nos levaria de Valença para Morro de São Paulo, saímos com a capacidade máxima: 23 passageiros e 2 tripulantes, com distanciamento zero. Menos mal que o trajeto durou apenas uns 10 minutos. Mas confesso que, bem antes disso, eu já havia entregado minha vida para Deus!

Até à pousada, fui caminhando. Por medida de segurança, eles me solicitaram, dias antes, que fizesse o check-in online. Fui à recepção para pegar a chave do quarto. Havia álcool em gel do lado de fora e também no balcão.

No quarto, as roupas de cama e de banho estavam ensacadas. A troca, a não ser que se solicitasse antes, era feita a cada três dias. Tanto o controle da TV quanto o do ar-condicionado estavam envolvidos em plástico. 

Como em todas as áreas de uso comum, no café da manhã, era obrigatório o uso de máscara. Havia luva plástica, também de uso obrigatório, e dispenser com álcool em gel instalado na entrada do restaurante. Não era oferecida a opção de serviço de quarto. As mesas não ficam montadas com xícaras, copos e guardanapos. Os talheres ficam dentro de um saco de papel. 

Para evitar aglomeração, a brinquedoteca estava fechada. A piscina podia ser usada desde que se mantivesse uma distância de 10 metros. 

Por causa da época do ano, as praias estavam praticamente vazias, portanto me senti à vontade para fazer caminhadas sem máscara. Entretanto, eu sempre saía com duas máscaras na mochila, caso decidisse ir à vila, precisasse entrar em algum restaurante ou estabelecimento comercial. 

Na vila, via-se de tudo. Gente com máscara, sem máscara, máscara no pescoço… Durante os passeios que fiz, também. Procurei me manter distante, mas nem sempre isso era possível. Eu notava que os prestadores de serviço utilizavam a máscara, acredito que pela obrigatoriedade, mas não havia qualquer exigência para que os clientes a utilizassem, a não ser na hora de entrar em restaurantes. Os protocolos de segurança nos passeios eram mínimos. Na Segunda Praia, onde fica a maior parte dos bares, eram pouquíssimos os clientes que usavam máscara, por isso fiz a opção de não os frequentar. 

Nos restaurantes, há tanto os que ainda usam cardápios em papel como os que estão em QR code. Os talheres são entregues dentro de um saco de papel, bem como guardanapos.

Fiz amizades durante minha estada na cidade e, em alguns momentos, baixei a guarda. Cumprimentei com abraços e, em restaurantes, fiquei mais próxima deles  do que é aconselhável.

Para meu regresso a Brasília, optei por pegar o catamarã, que sai de Morro de São Paulo para Salvador. Na fila para o catamarã, não havia distanciamento algum. Para entrar, mediram a temperatura e aplicaram álcool em gel nas nossas mãos. Não havia assentos interditados para se manter o distanciamento. Não fui com ninguém do meu lado por sorte. 

Ao chegar no terminal marítimo, um casal que eu havia conhecido na fila para o catamarã me convidou para pegar carona no Uber deles. Confesso que, naquele momento, só pensei no quanto foi gentil da parte deles e que seria agradável fazer o trajeto acompanhada. Ao me ver dentro do carro, percebi que, mais uma vez, eu havia me colocado em uma situação de risco. Estávamos todos usando máscara, mas também muito próximos. 

No aeroporto, peguei meu cartão de embarque e etiqueta de bagagem numa das máquinas da Latam, como fiz em Brasília. Para despachar a bagagem, tinha fila, e o atendimento não era automatizado. A fila do raio-x estava bem organizada. Como sempre, difícil para se manter o distanciamento é no momento da chamada para o embarque. As pessoas se tornam mais ansiosas para entrar, principalmente as que levam malas de mão. Da mesma forma que em Brasília, os funcionários só permitiam a entrada dos passageiros do grupo chamado. 

Eu estava do lado da janela. A moça que ficaria no meio, ao perceber que o passageiro do corredor não apareceu, disse que se mudaria para aquele lugar para que ambas ficássemos mais protegidas. Era o que eu também teria feito. 

O desembarque se deu fileira por fileira. Entretanto, o ônibus que nos levou ao terminal de passageiros, embora constasse estar operando com metade da ocupação, estava cheio, com pessoas em pé… Já a espera na esteira de bagagens estava relativamente bem organizada. 

Para ir para casa, chamei um Uber. O motorista colocou uma divisória de vidro entre o banco dos passageiros e os da frente. Ele me pareceu bastante cuidadoso consigo próprio e com os clientes. 

Como moro sozinha e ainda tenho uns dias de férias, só saí para ir ao supermercado. Embora eu tenha vontade de encontrar familiares e amigos, sou consciente de que passei dias bastante exposta ao vírus. Tenho receio de ter me contaminado de alguma forma e vir a contagiá-los. Não me arrependo de ter feito a viagem. Não faço parte do grupo de risco e, desde que cheguei, tenho me mantido isolada.

Verifiquei que, no dia de minha partida de Morro de São Paulo, 10 de novembro, o número de casos confirmados de Covid-19 no município de Cairu havia aumentado para 455, e os óbitos, para 6. Infelizmente, os números continuam crescendo, e ainda não sabemos como combater esse vírus. 

Durante a viagem, e depois dela, tive muito tempo para refletir. Percebi que a melhor forma para nos adaptar ao “novo normal” é pensar no que nos trouxe de positivo. Restringindo-me a momentos vivenciados na viagem, o uso da máscara, ao se servir, seja num buffet de café da manhã, seja num self service, é algo bastante higiênico, não é verdade? Assim como o hábito de lavar sempre as mãos ou usar álcool em gel. Quantos de nós sempre sonhou com uma fila de embarque organizada? Ainda não chegamos lá, mas vamos por bom caminho. E sair do avião, fileira por fileira, sem aquele tumulto que se fazia antes?!

Nessa nossa longa viagem que se chama vida, sentimos saudades de nos abraçar e estarmos próximos das pessoas que nos são queridas, mas esta é uma situação temporária. Encontraremos uma cura para essa doença ou algo que nos torne imunes. É uma questão de tempo. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação. E é do que precisamos agora: adaptar-nos ao novo, aceitar o que não pode ser modificado e superar as dificuldades. Vale lembrar que estamos todos – literalmente todos do planeta – no mesmo barco.